Fiat Uno - mais que um carro, uma experiência
- André Duarte
- 27 de abr. de 2018
- 3 min de leitura
Eu tenho um Fiat Uno. Há amigos meus que têm carros. E há pessoas que têm carros novos. Um Uno, permitam-me a informalidade, não é um carro, ou melhor, assim não é olhado, é, em primeiro lugar, um Fiat, e em segundo, um Uno. Uma fórmula que redunda naquele pequeno espécime de quatro rodas, de ar frágil e sofredor, criado no mundo automóvel nos idos de oitenta e oriundo de um mediterrânico país, Itália. Um meio de transporte que gera riso, nostalgia e a ideia de chaço. Andar de Uno é passear um anacronismo.
Nos carros novos só conduzimos, cada vez menos, por sinal, num Fiat Uno temos uma vivência ao volante que em certos aspetos se torna numa experiência de vida. A monótona rotina de ligar o motor, sentar e guiar com a certeza de chegar ao local adquire maior complexidade no carro da marca italiana.
Para já, sempre ouvi dizer que se pode abrir com meia bola de ténis, reparem, nem é preciso a bola toda. Por isso, o garante de estar no sítio que o deixámos não existe – notem que arrisco em sede própria, dizendo publicamente que carro tenho e como o podem abrir. Quantos permitem esse luxo?
Depois, passeia a injusta ideia de problemas. Os outros carros fazem uma viagem, o Fiat Uno aguenta a viagem. O meu Fiat tem 23 anos e anda, que me parece o propósito básico de um carro. Há automóveis novos que possivelmente nunca lá chegarão, pelo menos preservando a autossuficiência de andar.
No entanto, o Uno vive a sua existência na convivência com o olhar superiormente censório do cidadão moderno. À sua passagem, a ideia de uma charrete que se arrasta e que deixará apeado o seu proprietário na próxima curva assola tantas cabeças quantas vê.
Nos carros de hoje, falo naqueles em que a pessoa ainda precisa de conduzir, a ação principal do condutor chega a ser minimalista, quase acessória. Os automóveis parecem Bimbies, qualquer um pega no volante e todos guiam. Têm uma parafernália de tecnologia, de um modo geral, igual para todos no propósito, ainda que destoe na forma, e independentemente do logótipo que ostentem.
O Fiat Uno não é para todos e cada um é único nas suas peculiaridades, também elas únicas, fazendo do pequeno andante um veículo revestido de um carinho especial pelas vivências com que presenteia o seu proprietário. Ensina-nos que uma viagem não é só uma viagem.
No meu Fiat, por exemplo, temos que tirar o tampo do depósito de combustível antes de cada utilização para ele libertar o vácuo que cria durante o descanso, nós também temos flatulência, não se riam. O vidro esquerdo da frente tem de ser ajudado com a mão para fechar, senão não passa de meio, e o mesmo para descer. O ato é adoçado por uma vibração tremente que faz parecer de cada tentativa a última. O pendura pode fechar o seu vidro, mas abri-lo é uma opção que está confinada apenas ao condutor. Falo obviamente de vidros elétricos. Os pára-brisas embaciam e em dias invernosos só as janelas abertas com o frio a dar ambiente interior atuam como um desembaciador capaz. A pala do lado direito, caída de desgaste, é um alvo apetecível para cabeças, tendo-se já mostrado a algumas. O rádio, único traço do novo século, desenquadra com o conjunto e atribui-lhe um discutível toque de modernidade, estético e sonoro - emite ruído e por vezes música fosca da coluna do lado do pendura, do lado do condutor não emite, com um bass duvidoso e toques de distorção ao melhor estilo de guitarras.
O pedal da embraiagem, depois de um arranjo, está quase a entrar-nos pela rótula, obrigando a um ginástico movimento de encolher e esticar cada vez que temos de trocar de mudanças. Ouvem-se ruídos exteriores e interiores e as portas fecham com firme estrondo. Em marcha chega a dar 140 km/h e um pouco mais em descidas. É a gasolina e não gasta mal. Tem 45 cv de potência cansada e quem segue lá dentro parece uma caricatura a caminhar na vida real.
Apesar de tudo, o Fiat Uno é uno com o propósito de andar, e isso, ao que me parece, é aquilo para que os carros foram feitos. Um isqueiro a esguichar água também é interessante, mas não é pela água que acendemos cigarros.
André Duarte



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