A ternura da idade
- André Duarte
- 27 de abr. de 2018
- 2 min de leitura
Londres foi o meu destino de eleição para uma temporada de 5 meses. Motivo – aperfeiçoar o inglês. A um avião de distância, deixamos Portugal para trás e passamos a ir ao pão, ao banco, trabalhar, passear, carregar o passe e demais afazeres quotidianos num idioma que não o de Camões, Pessoa ou meu. Este foi o propósito que me trouxe a terras britânicas e a justificação que a todos dei quando vim.
Hoje os tempos favorecem quem embarca para o estrangeiro. As tecnologias evoluíram a um ponto que só falta permitirem-nos o contacto físico, tudo o mais está a uma chamada via Skype ou Facebook de distância. Longe vão os tempos em que ter alguém longe, numa distância que podia significar Lisboa/Santarém, era difícil e que as cartas e telefones fixos eram o garante de proximidade.
Hoje falo de Londres para Casais de Vale Fornos (a minha residência permanente, numa pequena vila a 40 km de Lisboa) com a minha avó de 86 anos. Uma ex-modista, nascida a 5 de fevereiro de 1929, em plena Ditadura Militar.
Veio ao mundo quando os jornais eram o principal meio de comunicação, a rádio uma criança, a televisão por vir ao mundo e a internet era um sonho. As carroças davam comodidade às viagens de longo curso e os cavalos eram os motores de então. Carros contavam-se pelos dedos. Talvez bastassem dois. A minha avó vem de uma época que estudamos na escola, nos é dada a conhecer pela história, de que nos rimos nas séries e achamos curiosa em filmes.
A idade avança, mas a pureza de outros tempos mantém-se. Por videochamada, com a ternura e a saudade no coração, perguntou-me: “Então menino, já aprendeste o inglês?” Fazendo acompanhar as palavras de um carinho que não se explica. A pergunta destroçou-me. A doçura com que a Joaquina (que nome antigo este) quantificou o inquantificável, na sua pureza e ingenuidade, como se perguntasse: “Então menino, já compraste as batatas e o arroz?”.
No seu tempo era assim, não havia inglês a melhorar, havia preocupações quantificáveis. Chegava uma carta, que demorava semanas a vir. Com tamanha religiosidade era esperada, tremendo carinho se abria e ternura se lia. A dedicação era plena. Como estariam? O que diriam? Havia novidades? Alguém nascido? Que passassem bem.
Hoje, com o mundo à distância de um clic, não há tempo. Por causa de um trabalho; de um imprevisto; de um compromisso inadiável; de uma urgência; de...
A minha avó é o melhor de dois mundos. Primeiro, porque é minha avó. Segundo, porque mantém a graciosidade com que esperava uma carta numa simples conversa Skype. Uma beleza que não se explica. Sente-se, apenas.
André Duarte



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